O 8 de março, oficializado como Dia Internacional da Mulher pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1977, há 46 anos, carregado de lutas vivenciadas pelas pioneiras dos movimentos femininos é uma bandeira levantada desde o início do século 20, que tem como principal ponto de partida dois grandes fatos.
MUNDO
Segundo o Estadão, o primeiro deles foi a morte de 123 operárias em uma fábrica de roupas em Nova York (EUA) no ano de 1911. As vítimas que não tinham qualquer escapatória porque eram trancadas durante as horas de trabalho, para que não existissem organizações entre elas, morreram diante de um incêndio. Fato que trouxe à tona a situação insalubre a qual eram submetidas as mulheres no mercado de trabalho. Desencadeando não só a busca por direitos trabalhistas, mas também por respeito e equidade.
O segundo foi a Marcha das Mulheres Russas por pão e paz, que marca o início de uma revolução pelo fim de 300 anos de monarquia no país. Com o pedido de melhores condições de vida, as mulheres lutavam no território de São Petersburgo pela saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial. Cercadas de miséria e descriminação, as pioneiras do movimento feminino marchavam mostrando sua força e propagando aos demais países do mundo, as exigências de mudança.
BRASIL
No Brasil, as mulheres foram conquistando cada vez mais espaço na sociedade e ocupando funções de chefia em profissões que anteriormente eram predominantemente masculinas. Dentre os principais direitos conquistados recentemente pelas mulheres no país estão:
- 1932 – Mulheres conquistam o direito ao voto;
- 1985 – É criada a primeira Delegacia da Mulher
- 1988 – A Constituição Brasileira passa a reconhecer as mulheres como iguais aos homens
- 2006 – É sancionada a Lei Maria da Penha
- 2015 – É aprovada a Lei do Feminicídio
- 2018 – A importunação sexual feminina passou a ser considerada crime
DADOS
Atualmente, 15.654 mulheres jornalistas estão empregadas em veículos de comunicação. Apesar de estar na casa dos milhares, o número representa somente 36,98% do mercado da imprensa no país. Isso porque há empregos ativos para 26.678 jornalistas do sexo masculino. Os dados foram colhidos do Workr, plataforma de comunicação corporativa desenvolvida pelo Comunique-se. Os dados são de 2019.
Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em dados coletados no ano de 2021, 91,3% de agressões de gênero registradas por jornalistas, são sofridas por mulheres (cis ou trans), sendo 7,1% destinados aos homens. Além disso, foi também registrado que a maior parte dos insultos foram no meio virtual e que utilizavam como argumento a sexualidade ou a orientação sexual das profissionais.
PIAUÍ
Embora as mulheres tenham conquistado inúmeros direitos, ainda há muito pelo que lutar e ser feito quando o tema é igualdade, inclusive salarial. Em pleno século XXI, as mulheres continuam sofrendo preconceitos, assédios e sendo desvalorizadas. O Portal RP50 reafirma a valorização da mulher, de sua fundamental importância para o avanço da sociedade e por isso preparou uma matéria especial para celebrar a passagem desta data.
Apresentamos seis mulheres que estão a frente de portais de notícias do Estado do Piauí e desempenham funções de chefia nesse ramo da Comunicação, que é o WebJornalismo. Embora o jornalismo outrora tenha sido predominantemente masculino, essas nordestinas mostraram para o que vieram e enfrentam diariamente os desafios de ser mulher no seguimento da comunicação piauiense.
Participaram de nossas entrevistas as jornalistas Dani Sá (ViAgora), Rose Freitas (VejaPHB), Yala Sena (CidadeVerde), Maria Romero (G1 Piauí), Raísa Brito (GP1) e Ithyara Borges (O Dia). Elas falaram do amor pela carreira e dos desafios desse ramo. Ressalte-se que esta reportagem também é assinada por duas mulheres. Acompanhe!
Conheça 6 mulheres que fazem a comunicação piauiense:
Dani Sá é teresinense e iniciou sua carreira há 17 anos. Ela é formada pela Faculdade Santo Agostinho e atuou em diversas áreas da profissão, principalmente no Webjornalismo. Atualmente é chefe de redação no Portal Viagora. Para ela o jornalismo se aperfeiçoa no exercício diário e gosta do trabalho que exerce.
“Eu nunca tive dúvidas que estou onde deveria estar, fazendo o que de fato eu nasci para fazer que é jornalismo”, disse.
Em uma ótima definição, Dani conta que o jornalismo é procurar o essencial em cada ocorrência. “O jornalismo é a busca do essencial, sem adereços ou adjetivos e acredito que tenha sido isso que me impulsionou a seguir a profissão. Costumo dizer que todo jornalista tem já intrínseco o dom nato, a gente aperfeiçoa esse dom no curso e no exercício diário da profissão”, relata.
A editora vê no imediatismo um dos principais desafios do exercício jornalístico em tempos de comunidades virtuais.
“O jornalismo policial por si só é imediatista, e daí já começa o desafio, trazer esse imediatismo de forma objetiva e com fonte segura, principalmente diante do advento das redes sociais e disseminação de informações por elas. Diante disso ficou ainda mais desafiador para o jornalismo como um todo e o policial a forma como será retratado e apurado o fato. É importante frisar que o jornalismo policial vai além de noticiar os crimes e as circunstâncias dele, pois traz à tona as discussões de forma abrangente e até subjetiva em torno da segurança pública”.
Sá relatou também os casos que mais marcaram sua carreira até aqui. Ela enumerou três.
“Ao longo desses anos de profissão tive a oportunidade de participar de três coberturas policiais que chocaram e até hoje chocam a sociedade. Cobri o caso da Fernanda Lages, que foi encontrada morta à época, nas obras do Ministério Público Federal, localizado na avenida João XXIII, zona Leste de Teresina. Outro crime que cobri inclusive indo a cidade e o local onde tudo aconteceu foi o estupro e espancamento coletivo contra três jovens em Castelo do Piauí. Esse crime foi brutal e lembro que fomos até o local de difícil acesso que era o Morro do Garrote onde o fato aconteceu e era devastador ver o quanto além das famílias das vítimas, dos acusados o clamor e abalo que toda a cidade viveu porque marcou realmente pelos requintes de crueldade do caso. Teve também a cobertura de outro crime de grande repercussão que foi uma chacina que aconteceu no município de São Miguel do Tapuio. Um homem matou cinco pessoas no Assentamento Saco do Juazeiro, na localidade Palmeira de Cima, na cidade. Nós também estivemos nessa localidade para apurar de perto como tudo acontece. Esse crime assim como os anteriores que citei tiveram grande repercussão nacional também”, relembrou.
Ithyara Borges – O DIA
Com 8 anos de carreira, a atual chefe de reportagem do Jornal O Dia, Ithyara Borges entrou no grupo em 2015 como uma estagiária. Formada em Letras Portugês pela Universidade Estadual do Piauí e em Jornalismo pela Universidade Federal, Ithyara conta ao Portal RP50 momentos que marcaram ao longo de sua carreira, além dos desafios de ser mulher na profissão.
“A participação da mulher no jornalismo é essencial. É mais um espaço conquistado por nós, mulheres. Aqui no O Dia temos mulheres, negras, em cargos de chefias na redação. Uma conquista, já que a ocupação destes lugares se tornam referência para outras mulheres. É um lugar que qualquer uma de nós podemos chegar. Talvez isso não fosse possível em anos passados e nem seja a realidade da maioria das redações jornalísticas”
Ithyara também participou da apuração e produção de matérias no nicho policial e declara a dificuldade em fazer e manter relações com as fontes do meio a fim de conseguir informações concretas. Assim mesmo, enfrentou casos emblemáticos nesta editoria:
“Uma rebelião na Casa de Custódia em 2015. Presos iniciaram uma rebelião reivindicando solução para a superlotação do local e o retorno das visitas que estavam suspensas por conta de uma greve dos agentes penitenciários na época. A situação era muito delicada. Do lado de dentro, os presos atiravam e ateavam fogo; do lado de fora, as famílias acompanhavam apreensivas. Até que chegou um momento que, sem informações sobre o estado dos presos (se eles estariam feridos), os familiares começaram a protestar, colocando fogo em pneus na pista, empurrando os portões com pontapés e arremessando pedras contra os carros da polícia que passavam pelo local”.
Yala Sena nasceu em Redenção do Gurgueia, no Sul do Piauí. É formada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Há mais de 10 anos colabora com o jornal Folha de São Paulo e portal Uol. É editora-chefe do Portal Cidade Verde há 15 anos.
Em sua entrevista à equipe RP50, Sena falou que a jornalista vive diariamente um perigo em dose dupla.
“Por ser mulher e ser jornalista o risco é duplo, a própria Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo coloca que hoje os atos de violência de gênero são relatados com frequência, são agressões verbais, violência psicológica, exploração econômica e violência física que as mulheres enfrentam no dia a dia. Algumas destas realidades acontecem aqui no Piauí, a gente enfrenta preconceito, há a diferença salarial entre mulheres e homens, mesmo os dois tendo as mesmas responsabilidades e funções, então precisamos trabalhar tanto a equidade salarial, como o respeito à mulher. Coloquei esses dados para você entender melhor a realidade no nosso estado, jornalista é agredida, há os assédios morais e sexuais que nós mulheres jornalistas enfrentamos no dia a dia e temos de driblar tudo isso até mesmo para não prejudicar nossa profissão”, expõe.
Yala citou dois casos emblemáticos e recentes que teve de fazer a cobertura na editoria policial.
“Esse ano tivemos uma violência absurda e inaceitável contra uma estudante de Jornalismo, o caso da Janaína Bezerra, um feminicídio. Ela foi estuprada, violentada e morta dentro da UFPI, uma coisa inaceitável, nunca vista, que revoltou a todos e causou todo um impacto na profissão, principalmente para nós mulheres e principalmente para quem estudou na UFPI. Também estou acompanhando o caso da menina que foi estuprada pela segunda vez aqui no Piauí, uma menina que foi estuprada aos 10 anos de idade e aos 11 estava grávida pela segunda vez. É uma situação que mostra várias falhas, a falha da família, a falha do Estado em relação a essa questão e que é muito emblemático, pois pela primeira vez a Imprensa toda foi censurada de divulgar o caso dessa menina. Hoje ela já está com 12 anos, está no sétimo mês de gravidez do segundo filho que ela vai ter vítima de estupro. Há uma decisão judicial de que a Imprensa piauiense não pode falar desse caso, o que é extremamente absurdo, pois reforça ainda mais a violência contra a mulher e fortalece o movimento anti-aborto que, de certa forma, é uma vitória pra eles, mas a gente está combatendo, eu, por exemplo, sou colaboradora da Folha de São Paulo e estou conseguindo emplacar várias matérias sobre este caso”, denuncia.
Apesar da censura, do assédio, da diferença salarial e outras dificuldades, a profissional também reconhece os avanços.
“Eu vejo que houve um avanço na representatividade feminina, pra você ter ideia, aqui o grupo Cidade Verde é composto bastante por mulheres e ainda tem que avançar mais, pois sinto que está muito aquém do que a gente necessita. Eu também creio que precisa melhorar a questão do acesso às mulheres negras nas redações, é uma situação que ainda precisa ser revista, a gente vê poucas mulheres negras nos veículos de comunicação, na TV, no rádio, então isso precisa ser repensado se é mais uma barreira para a mulher negra”, analisa.
Raisa Brito – GP1
Formada em Jornalismo pela Universidade Estadual do Piauí, Raisa Brito está há 6 anos à frente do portal GP1, tendo passando de editora-chefe para a direção geral de jornalismo. Exercendo a função de jornalista desde o ano de 2013, passou a estagiar a partir do 2° período do curso e desde então seguiu carreira pelo amor de ouvir e contar histórias.
Por mais que a paixão pela profissão persista diante dos desafios, as dificuldades de ser mulher no ramo não são deixadas de lado mesmo ocupando cargos de direção. Em entrevista, Raísa que também passou por experiências diante da editoria policial, conta o seu desafio com o nicho:
“Apesar de gostar muito da minha profissão, é natural, como todas as outras profissões, a gente se deparar com dificuldades, sobretudo nós mulheres em um campo do jornalismo que é majoritariamente protagonizado por homens, que é o jornalismo policial. Fui repórter policial por muitos anos e assim que comecei na área enfrentei dificuldades na apuração das reportagens, nas coberturas, principalmente pelo fato de ser uma mulher, ter baixa estatura, por não ter tantas fontes (algo que se conquista com um tempo), mas com um tempo fui revertendo tudo isso e não me recordo de ter acontecido algo de tão grave a ponto de impedir o bom desenvolvimento do meu trabalho”.
Atualmente, na redação a qual Raisa faz parte trabalham 11 mulheres. O número que, segundo a diretora de jornalismo é crescente em todo o estado, traz esperança e segurança de que uma luta que persevera desde o século 20, tem sido ouvida.
“Cresceu bastante, hoje podemos ver mais mulheres, inclusive, em cargos de direção na comunicação piauiense, contudo, ainda é preciso avançar mais, não podemos nos contentar em sermos sempre uma exceção à regra”.
Rose Freitas é jornalista independente, comanda o Portal Veja PHB Notícias e também é parceira do Portal RP50 em Parnaíba. É formada pela UFDPAR. Há dois anos decidiu ingressar carreira solo no jornalismo e desde então tem feito a cobertura de inúmeros casos policiais no litoral do Piauí.
Além de ser minoria neste mercado, as mulheres enfrentam outros desafios que dificultam a permanência e ingresso delas no ramo da cobertura investigativa. “Infelizmente a falta de parceria entre os profissionais e o fato de ser a única mulher que trabalha com matérias policiais em Parnaíba dificulta essa permanência. Acredito que deveria se ter um olhar maior e melhor, a mulher tem conquistado muito espaço e ele deveria ser mais abrangente.”, declarou Rose.
O caso mais emblemático que ela cobriu foi um duplo homicídio, onde uma enfermeira matou dois homens no litoral.
Maria Romero – G1 Piauí
Com cerca de 12 anos de profissão, Maria Romero formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Piauí, atua como Editora de Conteúdo na redação do Portal G1 Piauí. Tendo passado por produção de telejornalismo, rádio e até mesmo o impresso, Maria dedica os dias com grande paixão ao webjornalismo.
Tendo aplicado seus conhecimentos e se desafiado em diversas editorias, também passou pelo jornalismo policial. De casos emblemáticos no Piauí, Maria Romero, assim como Dani Sá, relembra o da estudante Fernanda Lages, que marcou não só a sua carreira como a de tantas outras profissionais:
“Depois de mais de uma década de profissão, acho que vários casos marcam bastante, mas acredito que o caso Fernanda Lages seja um dos mais fortes. A própria polícia piauiense, coincidentemente ou não, passou por uma reestruturação após esse caso. Muito se discutiu sobre a forma como as investigações foram conduzidas, sobre a cobertura do caso e sobre o tratamento machista dispensado à vítima. Sem questionar o resultado das investigações em si, acredito que o caso fez toda a sociedade discutir diversos temas muito importantes. Em especial quanto às mulheres e o julgamento machista quando elas são vítimas. Mas casos envolvendo violências contra crianças e de gênero sempre são muito marcantes”, pontuou.
Diante das discussões atuais sobre a atuação de mulheres em diversos âmbitos profissionais, sobretudo na comunicação, Maria Romero reflete as possibilidades que o olhar feminino pode proporcionar dentro da carreira jornalística. Para ela, o ser mulher com sua perspectiva, ativando questionamentos e demandas antes subjugadas ou somente adormecidas, representa inclusão na comunicação piauiense, historicamente regida por homens.
“Observo que as mulheres, especialmente no campo da comunicação, estão mais abertas a questionar o modo de fazerem o trabalho diário. E isso, positivamente, acaba impactando no modo como todo o jornalismo é feito. Acredito que a vivência que só uma mulher consegue experimentar na sociedade, por ser vítima de tantos tipos de violências, por estar em uma situação de vulnerabilidade, acaba tornando todas mais atentas ao seu entorno. Para o jornalismo, isso é fundamental. Ter consciência do seu lugar na sociedade tem um impacto muito grande na forma como você exerce todos os seus papéis”, refletiu.
Recado para as futuras gerações
Dani Sá – Olha para mim, ser jornalista está no vigor persuasivo e na integridade, já que a credibilidade não é fruto de um momento, mas sim a soma de uma longa e transparente coerência nessa caminhada. Então meu recado para os futuros jornalistas é que apesar dos percalços da profissão que eles tenham pelo ofício antes de tudo, paixão e o exerçam com coragem, verdade e que sigam comprometidos e aprendendo a cada dia com o entusiasmo e perseverança que sempre serão inerentes a profissão.
Yala Sena – O recado que eu dou para as futuras gerações é que a gente precisa combater o preconceito nas redações. Eu quando entrei no jornalismo foi estimulada pensando que era uma categoria bastante progressista no sentido de não ter preconceito, discriminação e vivi uma realidade que é o contrário. A gente precisa avançar mais na liberdade de expressão do próprio jornalista e é preciso que a gente seja respeitada como mulher. Eu costumo dizer que todo mundo precisa fazer um pouco do jornalismo, uma profissão necessária, uma profissão que ajuda você a ser mais humana, a olhar o outro. Todo dia tem um cotidiano diferente porque você convive com várias situações, então às vezes eu chego aqui no portal cheia de problemas e eu vou pra rua e me deparo com tanta situação de calamidade e catástrofe que eu digo: meu deus, meus problemas são tão pequenos em comparação a tantos problemas de outras pessoas que estão vivendo, então o Jornalismo amadurece a gente nesse aspecto. A mensagem que eu passo é que a profissão muito me orgulha, orgulha qualquer pessoa, mas que é uma batalha diária e que a jornalista precisa estar antenada com as coisas e combater o preconceito.
Ithyara Borges – “Se preparem, estudem! Apesar dos vários avanços da mulher no meio jornalístico, ainda há muito chão para percorrer. Precisamos, nós mulheres, estarmos fortalecidas para continuar quebrando barreiras e rompendo com as estruturas ainda enraizadas. Precisamos assumir espaços para contribuir socialmente, para possibilitar as mudanças ainda necessárias”.
Rose Freitas – “Se a mulher tem um sonho, faça acontecer. Muitos vão tentar parar, mas isso só será combustível para que continue e cresça”.
Por Débora Machado e Millena Araújo